sexta-feira, 2 de maio de 2008

L I B E R T A Ç Ã O

No próximo dia 31 de Maio vou participar em mais um almoço de confraternização com os meus camaradas de armas, combatentes em Angola, nos já longínquos anos de 1963/1966.
Foram dois anos e três meses passados em Angola numa guerra, que ao tempo se justificava, tendo em conta o regime em que Portugal vivia e, ainda o facto dos países colonizadores terem iniciado a sua retirada desses territórios, uns, dando a independência sem conflitos, outros como Portugal, obrigados a tal desiderato como resultado duma guerra que, provavelmente não teria fim. Claro que não podemos condenar Portugal por se opor à descolonização, pois a França também viu perder milhares de soldados na sua ex-colónia, Argélia, numa guerra de muitos anos.
Não é, porém, minha intenção dar pareceres e opiniões sobre este problema da história de Portugal. Tem sido amplamente discutido por analistas, políticos e outras personalidades importantes do nosso país e, convenhamos que subsistem muitas dúvidas que a história poderá nunca dissipar.
Gostaria sim de falar mais particularmente desse período da minha vida, ainda jovem e que, nalguns aspectos, me marcou bastante.
Logo a data em que se deu o embarque para aquela “província ultramarina”, coincidiu com a véspera do aniversário de minha mãe, 10 de Novembro de 1963. Minha mãe completava naquele ano 64 primaveras, transformadas em autêntico inverno no seu coração. Era eu o filho mais novo de oito e o único a vestir a farda e pagar as “favas” pelos outros irmãos que por serem mais velhos livraram-se deste calvário. Não se livraram, porém, do desgosto e grande tristeza que os avassalou por verem partir para a guerra o seu irmão mais novo. Tenho a certeza que sofreram bastante juntamente com os seus familiares já que na maioria tinham já constituído família.
Mais tarde, poderei voltar a falar sobre este período da minha vida, em pormenores interessantes que retive e que terão algum interesse. Pretendo por agora recordar com muita saudade e grande amargura, o dia em que assisti ao funeral de cinco camaradas mortos em combate. Deram a vida no cumprimento do seu dever e assim merecem que lhes dedique um singelo poema que a eles e a todos os outros camaradas do meu batalhão, o glorioso 595, que também tombaram em combate em terras de Angola:


L I B E R T A Ç Ã O

Ao ter a vida dentro de mim sorrindo
Bem longe da terra que me viu nascer,
Aqui estou padecendo e lutando
Por causa de causas que não compreendo!

Mas sei que a Pátria quis que sofrimento fosse,
Pelo que seus filhos devem obedecer.
Derramar o sangue no seu altar
Mesmo que seja lutando até morrer!

Estou sonhando com minha aldeia,
Do odor da giesta, do tojo e alecrim,
Da minha rua de terra e cheia de rosmaninho
A saudade que me atormenta desde que vim!

Estou sentindo a dor no meu peito aberto
Junto ao coração que já não pode mais amar
Fecha-se vagarosamente o meu olhar ao horizonte
Estou no fim, mesmo no fim! Acabo de me libertar!

Em memória dos camaradas que morreram em combate em Angola.